domingo, 25 de novembro de 2007

A insegura

Eu tenho medo de que você se arrependa.A frase saiu torta,um tom de voz quase ensurdecedor de tão baixo.Que me arrepender,o cacete!Era o que eu queria dizer.Mas se sou eu que tô pedindo um beijo seu,foi a frase mais sutil que meu cérebro pode processar em meio ao estado atônito que aquela conversa me impunha.Olha,a gente se dá tão bem,você é tão legal e nós passamos tanto tempo juntos,que eu achei que ,sei lá,ia ser bom se isso acontecesse com a gente.Mas eu tenho medo de que segunda você nem olhe pra minha cara.Porra,cala a boca logo que já é tarde!Mais uma vez me contive,apesar do whiskey insistir em dizer o contrário.A praça já vazia.O vendedor de cachorro-quente,dois mendigos bêbados com suas sábias crônicas do dia-a-dia,a puta desapontada voltando pra casa.Os taxistas com a garrafa de café que espanta o sono e adocica o cigarro...e nós dois ali,como se nada daquilo fosse real ou pudesse nós atingir.Antes já haviamos andado a cidade toda,como sempre faziamos.Das últimas vezes ela me roubava o pensamento constantemente e mal conseguia ouvir o que ela dizia.Só pensava em finalmente contar sobre meus planos e sentimentos quase infantis.Mas acabava deixando pra próxima.Ela não queria menos e eu sabia disso.Depois ia pra casa me achando o mais covarde dos homens.Ela era,dentro da sua sinceridade e audácia,quase submissa.Concordava com tudo,aceitava tudo,tudo era ótimo.O lugar que eu queria,a bebida que eu escolhia,a hora que eu marcava.E agora me vinha com essa.Às vezes eu à achava linda,os longos cabelos loiros,os lábios grossos,os olhos verdes,ou seriam azuis?,grandes,profundos.Era perfeita.Noutras,tencionava matá-la.Chata,pessimista,repetia tudo,todo dia.Era irritante.Tinha o talento de me fazer amar e odiar no espaço de poucos segundos.No balanço final,era incrível,única.Tudo isso me passava pela cabeça ali naquela praça,duas e meia da manhã.Poxa,se é só por isso você pode ficar tranquila,eu tenho certeza de que eu não vou ma arrepender.O beijo foi rápido,urgente,quase desesperado,como se soubessemos que por melhor que fosse ainda seria pouco.Parecia que esperavámos aquilo há anos,a vida toda e mais ainda.Mais dois beijos apressados.Atravessamos a rua,a deixei na portaria do prédio.Um último beijo,esse ainda mais rápido.Brigaram?,perguntou o porteiro,já conhecido meu.Não,é que sabe,a gente é muito amigo e aí...É,aí é foda mesmo,resumiu,tão vulgar quanto verdadeiro,o vigia.Eu atravessei a rua e entrei no táxi.E não me arrependi nem um pouco.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tão belo quanto a sinceridade que o ostenta!